Na actualidade pode considerar-se o Desporto como um direito de todo o cidadão. Nas sociedades mais desenvolvidas são conhecidos e reconhecidos os benefícios da prática desportiva no bem estar e na realização do ser humano. Estas questões dos benefícios e dos direitos à prática estão consignados na Carta Europeia do Desporto, na Constituição da República Portuguesa e na Lei de Bases do Sistema Desportivo.
No entanto, a realidade desportiva tal como a conhecemos na actualidade foi fruto de várias modificações e de profundas transformações ao longo dos anos, não sendo também alheia e condicionada por um conjunto de constrangimentos que ainda no século XXI a asfixiam.
Se desejássemos realizar um estudo do percurso evolutivo do associativismo desportivo teríamos de recuar a meados do século XIX e encontraríamos o livre associativismo "colado" a questões de carácter filantrópico. Só passados quase cem anos (década de 30 e 40 do século XX) encontramos o Estado a iniciar uma intervenção no desporto e a fazê-lo de uma forma violenta, pois pretende controlar este movimento e restringir a prática a clubes desportivos mais ou menos controláveis.
Este processo desencadeou-se até Abril de 1974 onde as profundas mudanças políticas no país levaram a que o desporto se assumisse, também, num clima de liberdade e encontrasse formas organizativas diversas.
A Constituição da República Portuguesa incumbe o Estado de regulamentar e promover o livre acesso de todos os cidadãos à prática desportiva, além de o responsabilizar por assegurar os meios essenciais à formação desportiva.
Uma análise mais ou menos cuidada do papel interventor e regulador do Estado nestas áreas referenciadas leva à conclusão que tem existido por parte dele uma demissão clara no assumir destas responsabilidades e tem aproveitado a predisposição dos clubes e do movimento associativo, em geral, para colmatar as carências na área desportiva a nível nacional, sendo a maior parte das vezes os clubes a substituir o Estado nas suas obrigações.
Sendo o desporto uma questão de Estado e desempenhando os clubes um papel que compete a esse mesmo Estado deveriam ser credores deste de uma política efectiva de apoio, o que não tem acontecido. Raros sãos os anos e os momentos em que o Estado atribuiu subsídios ou outras formas de apoio de uma forma coerente e não tem existido uma política de continuidade na atribuição de apoios, por modestos que eles sejam, o que tem levado à existência de um associativismo muitas vezes efémero e com modelos organizativos débeis.
No entanto, o próprio movimento associativo também tem culpas na crise que atravessa, pois ele próprio não se tem reinventado face às exigências da sociedade actual em que a concorrência é cada vez mais agressiva. Ainda não conseguiu encontrar modelos de ajustamento aos tempos actuais, não se tem renovado e não tem prosperado vivendo-se, hoje, na maioria das colectividades com objectivos e modelos de gestão totalmente ultrapassados. É caso para se prever que os clubes tradicionais desaparecerão num prazo relativamente próximo.
Os Clubes desportivos do distrito da Guarda enfermam, na sua grande maioria, destes problemas. Raros são aqueles que têm um esquema de funcionamento modernizado e são igualmente raros aqueles que sobrevivem com os seus próprios meios.
Outro dos problemas que actualmente se colocam às colectividades desportivas relaciona-se com a sua vocação e com a comunidade que servem ou deveriam servir. Desempenhando o desporto um factor de socialização e de integração, podendo dar resposta a necessidades de grupos socialmente carenciados, não encontramos na região da Guarda muitas colectividades que se preocupem com esta questão.
A sociedade que hoje está a desenhar-se é portadora de novas necessidades e exigências e os clubes têm vindo a perder credibilidade e capacidade de intervenção como instituições socioculturais, uma vez se dedicarem, quase em exclusivo, à prática de modalidades desportivas tradicionais e muitas das vezes tendo nas suas equipas praticantes que nem sequer são filhos da localidade. Deveriam os Clubes realizar um esforço no sentido de se repensarem como organismos que deveriam ir ao encontro dos interesses dos seus associados e da comunidade envolvente, que tem desejos, interesses e motivações cada vez mais exigentes e diferentes das práticas tradicionais.
Tendo os organismos oficiais faltado no apoio e no incentivo a estes novos interesses deverão os Clubes agir e não estar à espera que o Estado se assuma pois as gerações passam e perdem também eles a possibilidade de se afirmarem mais dentro dos princípios do associativismo ou dentro dos princípios básicos que estiveram na génese da fundação de uma grande parte deles. É caso para se dizer que os clubes se devem reciclar!
É inquestionável que muitos dos problemas e de crises dos clubes advêm de dificuldades em encontrar dirigentes capazes e disponíveis. Muitos dirigentes passam anos sucessivos nos clubes porque não se conseguem encontrar substitutos para prosseguirem as dinâmicas. Isto acontece porque o trabalho do dirigente voluntário não é valorizado socialmente ainda que a sua actividade tenha valor social incontestável ao proporcionar a muitos jovens e outras franjas da população o usufruto de uma prática desportiva, que de outra forma não teria.
Uma vez que as tarefas de dirigente são realizadas em regime de voluntariado isso equivale a um valor económico incalculável, pelo que o Estado se deveria preocupar em criar um estatuto para eles, que contivesse um conjunto de benefícios e regalias. Assim, em distritos do interior como o da Guarda onde as dificuldades são maiores, (também devido à desertificação humana) talvez mais cidadãos despertassem para o mundo da gestão desportiva.
Nos distritos do interior, e o da Guarda não foge a esta regra, têm sido as Autarquias e outras entidades como o INATEL e Associações de modalidade que têm amparado o movimento associativo desportivo. Mas mesmo estas entidades estão a passar por algumas dificuldades dada a sua descapitalização e ainda porque não encontraram um quadro conceptual no domínio operacional que lhes permita conceder os apoios com um critério seguro e dentro dos parâmetros legais vigentes.
Se verificarmos a particularidade desta realidade no Distrito da Guarda depararemos com uma situação que custa um pouco a aceitar. A primeira questão relaciona-se com a lógica a que se subordinam os movimentos associativos não se percebendo muito bem se é a do lucro, a das necessidades sociais, ou uma outra qualquer. Depois aparece a complexidade da atribuição dos subsídios das autarquias aos clubes.
Há autarquias que tratam clubes organicamente e estruturalmente diferentes de uma forma igualitária, o que é fomentar e agravar as injustiças. Outras definem critérios quantitativos de praticantes o que é um erro pois descuram aspectos do desenvolvimento. Um terceiro grupo aplica um tratamento hierarquizado favorecendo os mais fortes em detrimento dos mais fracos. Por último algumas ignoram os grandes clubes, o que também não é correcto.
As colectividades desportivas como as do distrito da Guarda deveriam ter a capacidade de se juntarem numa federação com a intenção de, em conjunto, apresentarem à Administração Central reivindicações justas de apoio no sentido de lutar contra a situação precária do movimento associativo tão essencial ao país, pois não basta ao Estado assumir um papel regulador mas terá de ter também (ou ajudar quem o faça) um papel dinamizador e fomentador da prática, quer através de uma política de desporto escolar, de construção de instalações, de formação de agentes desportivos, da concessão de apoios financeiros ou em recursos humanos.
Por último deverá ser repensada a situação do dirigismo desportivo no distrito da Guarda (e no país também!), pois estando o dirigismo em crise está comprometido o futuro. Faltam dirigentes novos, com nova mentalidade, com nova visão e com nova formação. Fazem falta dirigentes que tenham a coragem de abraçar novas modalidades e novas práticas. Faltam dirigentes que assumam a vida associativa sem quererem ser "donos" dos clubes. Fazem falta dirigentes que saibam planear, que dominem os factores de desenvolvimento desportivo e que tenham a coragem de romper com privilégios instalados.
A função de dirigente tem de ser desenvolvida de uma forma desinteressada, descomprometida, sem protagonismo doentio e tendo sempre por base a nobreza do contributo à sociedade.
José Costa